O português às vezes é um povinho deveras eufemista:
• Se está a trovejar e a chover granizo, dizemos que “O tempo está meio farrusco”;
• Se um aluno espanca duas professoras, sete colegas de turma e quatro auxiliares de educação, dizemos que é um “inadaptado”;
• Se torcemos um pé a sair de casa, depois deixamos papéis importante voarem da pasta, depois caímos a entrar para o comboio, depois caímos a sair do comboio, depois caímos sem sequer já estarmos no comboio, depois apanhamos uma chuvada que nos parte o chapéu e nos encharca o melhor fato, depois chegamos atrasados ao emprego e somos despedidos, depois saímos do escritório e somos atropelados por um carro que nos parte as pernas, depois ficamos com fracturas expostas, depois somos operados de emergência às cataratas porque alguém trocou os processos, e depois, à hora da visita, vêm os nossos familiares e têm A LATA de nos perguntar: “Então, como é que está a correr o dia?”… dizemos sempre: “Vai-se andando”.
Só pode ser por esta tentação inata de minimização que chamamos “derrapagens” aos buracos orçamentais das Obras Públicas. Porque uma “derrapagem” está relacionada com algo que desliza mais do que o esperado. Obras Públicas não deslizam mais do que o esperado. Obras Públicas estatelam-se. Sempre. É o tipo de viagem em que toda a gente já sabe que aquilo vai bater antes sequer de ligarmos o motor.
Isso não é “derrapagem”.
Isso é “espetanço premeditado”.
Ora após esta erudita dissertação de âmbito semântico vamos aos factos: na última semana foi noticiada a auditoria de 5 Obras Públicas pelo Tribunal de Contas, que concluiu que o espetanço orçamental total foi de cerca de 241 milhões de euros.
Eu repito: Duzentos-e-quarenta-e-fosse-eu-a-mandar-era-tudo-corrido-à-paulada-E-UM euros. Para se ter noção do escândalo, dava para comprar dois Cristianos Ronaldos e meio.
Excepto se fosse o Estado português a comprar. Aí, dava para ORÇAMENTAR 2,5 CR7.
Depois para o comprar seguiam-se os trâmites normais nestes processos:
1. Alguém se atrasava com os fundos;
2. Geravam-se empréstimos elevados com juros monstruosos;
3. Punha-se uma providência cautelar porque o Ronaldo corre muito rápido e assusta os flamingos do estuário do Tejo;
4. Descobria-se um projecto de erros que alguém diligentemente colocou numa gaveta e ao qual ninguém ligou porque, apesar de dizer “PROJECTO DE ERROS”, estava mesmo ao lado de um exemplar da Playboy com a Cláudia Jacques.
No fim de contas, 241 milhões de euros dava, à vontadinha, para comprar uma nádega do CR7.
O que, bem vistas as coisas, é menos do que ele deixou na casa da Paris Hilton.
No fundo, é como eu disse no início: o português às vezes é um povinho que exagera.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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